Vinte e três horas e cinquenta e
oito minutos.
Mateus acordou assustado com o
barulho da chuva que, sem pedir licença, invadia seu pequeno espaço onde mal
cabia a cama feita de papelão. Segurou uma foto que estava ao lado do
travesseiro feito com jornais. Abraçou com força aquela foto. Depois tirou do bolso
um relógio sem pulseira e o olhou com o auxílio da luz do poste ao lado da
marquise que lhe servia de abrigo. Olhou para o céu na esperança de obter uma
resposta. O céu parecia estar diferente, afinal já passava da meia noite e era
véspera de natal.
Mateus percebeu que no céu tinha
uma estrela diferente daquelas que ele observava todas as noites. Ela era maior
e tinha um brilho mais intenso. De repente, Mateus não via mais aquela estrela.
Ela se apagou como por encanto deixando o menino super decepcionado. Abaixou a
cabeça e, assim ficou curtindo sua decepção.
Alguém o chamou.
- Menino, menino!
Mateus olhou rapidamente e viu um
jovem trajando uma capa de chuva e trazendo outra em suas mãos e insistiu -
menino saia dessa chuva e vem comigo!
Raciocinou rapidamente. Levantou-se
tendo junto ao peito aquela foto.
O jovem cobriu-o com a capa que
trazia e o levou para uma casa no final da rua. Ao entrar Mateus correu os
olhos em tudo que eles alcançavam.
- Qual é seu nome? Perguntou-lhe o
jovem enquanto lhe tirava a capa.
- Mateus! Mateus é meu nome e o
seu?
- Meu nome? Bom não gosto de falar
meu nome, mas me chame de Gab. É fácil não é?
- Sim é! Respondeu Mateus com ar de
assustado.
- Está com fome? O menino respondeu
com um simples balançar de cabeça.
- Vou preparar algo pra você comer,
mas primeiro vá tomar um banho quente e trocar essas roupas sujas e molhadas.
Vou pegar roupas limpas e secas para você vestir. O banheiro é no final do
corredor. Fique à vontade como se estivesse em sua própria casa.
Mateus se banhou rapidamente, pois
seu estômago estava roncando de fome. E na ânsia de chegar a hora de comer, sua
barriguinha roncava mais forte ainda. Por isso apressou o banho e correu a
tomar um lugar à mesa para saciar aquilo que o maltratava há tempos.
- Pode se servir à vontade, disse
Gab colocando os talheres na mesa.
Mateus comeu com tanta avidez como
se toda a comida do mundo fosse acabar naquele momento.
- Calma Mateus! Vai devagar. A
comida pode te fazer mal.
Enquanto comia colocou ao lado do
prato a foto que guardava com carinho e cuidados. Gab pegou a foto e se
surpreendeu com a violência de Mateus ao lhe arrancar, das mãos, o retrato e o
levar ao peito em uma ação de verdadeiro guardião de um tesouro.
- Quem é? É sua mãe? Perguntou-lhe
Gab.
Gab, atento, ouvia a triste
história daquele menino de rua, que, ao iniciar a narrativa, lhe entregou a
foto para que a olhasse com mais atenção.
- Sim! Esta é minha mãezinha
querida que não vejo desde os sete anos. Me perdi dela no shopping. Passei a
tarde inteira procurando-a, mas não a encontrei e isso já faz três anos. Fui
com ela fazer compras de natal e quando estava olhando um brinquedo ela
desapareceu e nunca mais a encontrei. Tenho esperanças de encontrá-la um dia.
- E você tem pai?
- Tenho, mas não vivíamos juntos.
Mamãe disse que ele se foi porque bebia muito. E quando ela pediu que ele
parasse com a bebida, achou melhor ir embora. Então mamãe teve que criar
sozinha os três filhos. Eu e dois irmãos mais velhos que eu.
- São três homens?
- Não! A Aninha é a mais velha e o
André o do meio.
- Nossa! Sua mãe e seus irmãos
devem estar sofrendo muito com saudades de você. Devem estar pensando que você
morreu.
- Ai credo! Morrer não! Nem penso
nisso.
- Mas é mesmo! Três anos
desaparecido, só podem estar pensando isso de você.
- Queria tanto encontrar minha mãe.
Tenho tanta saudade dela. Às vezes choro a noite inteira olhando a foto dela.
Esta foto eu peguei na bolsa dela antes de sairmos naquele dia sem que ela
percebesse. Está meio amassada porque eu a dobrei e guardei no bolso.
- Você fala bem! Até parece que
sabe ler e escrever.
- Aprendi lendo os jornais que as
pessoas deixavam no banco da praça. Mas antes de me perder da minha mãe eu
estudava. Já sabia ler e escrever. Minha mãe me colocou um ano antes na escola
e eu já estava terminando a segunda série.
- Está explicado então! Você tem
exercitado bem o que aprendeu. Fez muito bem, assim quando retornar à escola
vai passar de ano rapidinho e sem problemas.
- Você vai me ajudar a encontrar
minha mãe? Diga que vai, por favor?
- Calma Mateus! Vamos por partes.
Tenho que saber mais sobre sua família, mas agora você precisa dormir. Já passa
das duas da madrugada. Tem uma cama e um cobertor bem aconchegantes à sua
espera. Pelo menos, por hoje, você tem um quarto e uma cama para dormir.
- Boa noite então, e obrigado por
tudo.
- Não foi nada Mateus. São apenas
suas preces que estão sendo ouvidas e atendidas.
Ao terminar de falar, Mateus entrou
no quarto e logo se pôs de joelhos e fez suas orações em agradecimento:
- Meu Pai do céu, eu te agradeço
por ontem, por hoje e pelo amanhã, e também pelo Gab que o Senhor mandou pra me
ajudar a encontrar minha mãe. Amém.
Gab observou atentamente a oração
de Mateus sem que ele o percebesse. Fechou a porta do quarto passando a mão na
cabeça, deixando transparecer preocupação pelo garoto e disse em voz alta:
- Meu Deus! Como posso ajudar este
garoto? Sei que ele está contando com minha ajuda, ou de qualquer outra pessoa.
O dia amanheceu, e Mateus, pela
primeira vez, em três anos, dormira como um anjo e nem se preocupou em se
levantar cedo.
O relógio cuco na parede da sala
anunciou meio dia.
Mateus se espreguiçou como se
colocasse os ossos em seus devidos lugares.
Apesar de a casa ser humilde tinha
quase tudo que um garoto precisava.
Mateus se levantou e sentiu que
estava só. Começou a examinar tudo ao seu redor e a falar sozinho.
- Nossa que casa legal! É quase
igual a da mamãe. Ela bem que poderia estar aqui! E a Aninha então; nossa! Eu
ia brigar com o Dedé por causa do controle remoto.
Enquanto falava, Mateus se via numa
cena com seu irmão disputando o controle da TV.
A porta se abriu e Gab entrou
trazendo alguns pacotes de presente e um panetone. Mateus gritou:
- Eu quero panetone! Eu amo
panetone!
Dizendo isso pegou o pacote e foi
logo abrindo.
- Calma Mateus! Exclamou Gab - Tudo
bem pode. Afinal três anos sem comer panetone é compreensível.
Gab dava os últimos retoques em sua
árvore de natal, enquanto Mateus tomava seu reforçado café da manhã que já
passava das duas horas da tarde.
Na casa de Mateus não havia
preparativos para o natal. Desde o sumiço do caçula aquela casa estava
mergulhada numa tristeza sem fim. Sua mãe observava da janela, as pessoas e os
carros que transitavam de um lado para outro, na esperança de que algum carro
daqueles ou alguma pessoa daquelas, trouxessem notícias do seu pequeno Mateus.
Os outros filhos pareciam estar conformados, pois não mais sentiam a falta do
irmão. Davam boas gargalhadas assistindo televisão. E nem se preocuparam quando
a TV deu como notícia urgente, o sumiço de uma criança na porta de um Banco.
Aquela mulher ouvia a reportagem,
olhando pela janela, fazendo voar seus pensamentos:
- Será que ele pensa que eu o
abandonei? E que não o amo? Isso não é verdade! Deus sabe que meus filhos são o
bem mais precioso que Ele me deu. Como eu gostaria de ganhar de presente a
volta de Mateus! Como sofro com a ausência dele! Minha vida já não é mais a
mesma desde que ele se foi.
Enquanto isso, em casa de Gab,
Mateus terminava o seu café e foi ajudar Gab com a árvore de natal e, juntos,
terminaram de enfeitá-la.
O dia terminou e a noite de natal
chegou.
Tudo estava pronto e na mesa de Gab
não faltava nada. Estava perfeita. Eram oito horas, anunciou o velho relógio
cuco. Gab percebeu que existia algo de errado com sua árvore de natal. Algumas
fagulhas começaram na fiação ao lado do interruptor. Gab correu para desligar,
mas já era tarde. O fogo começou a tomar conta da árvore e eles só conseguiram
salvar os presentes. O fogo se alastrou rapidamente, tomando conta de toda
casa.
A sirene do corpo de bombeiro se
ouvia neste momento. Gab e Mateus já estavam do lado de fora da casa.
Com uma mão Gab segurou forte a Mão
de Mateus e, com a outra, um saco com os presentes.
A TV local apareceu pra fazer a
cobertura do incêndio. A repórter entrevistou Gab e lhe perguntou:
- Estamos aqui falando ao vivo
diretamente do local do incêndio que destruiu uma casa deixando duas pessoas
sem abrigo exatamente na noite de natal. Vamos falar com o jovem pai e seu
filho que agora estão desabrigados.
- E aí cidadão, você e seu filho,
como estão se sentindo, agora que perderam tudo que tinham, exatamente na noite
de natal?
- Não! Respondeu Gab! Mateus não é
meu filho.
Enquanto falavam Aninha assistia a
reportagem na TV. Vê Mateus e grita:
- Mãe veja isso!
- Ora Aninha, não tenho cabeça pra
assistir TV, filha. Estou preocupada com seu irmão. Sabe Deus onde ele está?
- Pois eu sei! - Respondeu Aninha
convicta do que estava falando, pois estava vendo. - Ele está bem aqui na minha
frente.
- O que está dizendo? Nossa! É ele
mesmo, vamos buscá-lo filha? Este lugar fica perto vamos?
Aninha e sua mãe passavam pelos
curiosos e Mateus olhou em meio a toda aquela gente e viu alguém diferente que
se aproximava. Seus olhos brilhavam, e ele não conseguiu segurar as lágrimas
que insistiam em cair abundantemente.
- Mateus, Mateus meu filho! Deus
ouviu minhas preces e você está vivo!
Mateus se soltou da mão de Gab e
foi em direção à sua mãe e sua irmã. Os três se abraçaram em prantos.
André que passava por ali com
alguns amigos, também se emocionou ao ver que seu irmão estava vivo e também o
abraçou.
- Mamãe venha cá! Quero que conheça
meu melhor amigo.
Quando Mateus olhou para onde
estava Gab percebeu que ele já não se encontrava mais ali e que, no local, só
ficou o saco de presentes e um bilhete onde estava escrito:
- Meu amiguinho Mateus, neste
momento você deve estar com a sua família e espero que esteja muito feliz. Não
se preocupe comigo, eu estou bem. Creio que cumpri minha missão. Tenho que
ajudar outras pessoas que precisam de mim.
Assinado:
Seu melhor amigo Gab.
Neste momento, Mateus tirou do
bolso seu relógio sem pulseira e viu que era exatamente meia noite. Era
natal...
Um comentário:
Obrigada pela vista querida!
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