sexta-feira, 11 de maio de 2012

VINTE E QUATRO HORAS COM UM ANJO!


Vinte e três horas e cinquenta e oito minutos.
Mateus acordou assustado com o barulho da chuva que, sem pedir licença, invadia seu pequeno espaço onde mal cabia a cama feita de papelão. Segurou uma foto que estava ao lado do travesseiro feito com jornais. Abraçou com força aquela foto. Depois tirou do bolso um relógio sem pulseira e o olhou com o auxílio da luz do poste ao lado da marquise que lhe servia de abrigo. Olhou para o céu na esperança de obter uma resposta. O céu parecia estar diferente, afinal já passava da meia noite e era véspera de natal.
Mateus percebeu que no céu tinha uma estrela diferente daquelas que ele observava todas as noites. Ela era maior e tinha um brilho mais intenso. De repente, Mateus não via mais aquela estrela. Ela se apagou como por encanto deixando o menino super decepcionado. Abaixou a cabeça e, assim ficou curtindo sua decepção.
Alguém o chamou.
- Menino, menino!
Mateus olhou rapidamente e viu um jovem trajando uma capa de chuva e trazendo outra em suas mãos e insistiu - menino saia dessa chuva e vem comigo!
Raciocinou rapidamente. Levantou-se tendo junto ao peito aquela foto.
O jovem cobriu-o com a capa que trazia e o levou para uma casa no final da rua. Ao entrar Mateus correu os olhos em tudo que eles alcançavam.
- Qual é seu nome? Perguntou-lhe o jovem enquanto lhe tirava a capa.
- Mateus! Mateus é meu nome e o seu?
- Meu nome? Bom não gosto de falar meu nome, mas me chame de Gab. É fácil não é?
- Sim é! Respondeu Mateus com ar de assustado.
- Está com fome? O menino respondeu com um simples balançar de cabeça.
- Vou preparar algo pra você comer, mas primeiro vá tomar um banho quente e trocar essas roupas sujas e molhadas. Vou pegar roupas limpas e secas para você vestir. O banheiro é no final do corredor. Fique à vontade como se estivesse em sua própria casa.
Mateus se banhou rapidamente, pois seu estômago estava roncando de fome. E na ânsia de chegar a hora de comer, sua barriguinha roncava mais forte ainda. Por isso apressou o banho e correu a tomar um lugar à mesa para saciar aquilo que o maltratava há tempos.
- Pode se servir à vontade, disse Gab colocando os talheres na mesa.
Mateus comeu com tanta avidez como se toda a comida do mundo fosse acabar naquele momento.
- Calma Mateus! Vai devagar. A comida pode te fazer mal.
Enquanto comia colocou ao lado do prato a foto que guardava com carinho e cuidados. Gab pegou a foto e se surpreendeu com a violência de Mateus ao lhe arrancar, das mãos, o retrato e o levar ao peito em uma ação de verdadeiro guardião de um tesouro.
- Quem é? É sua mãe? Perguntou-lhe Gab.
Gab, atento, ouvia a triste história daquele menino de rua, que, ao iniciar a narrativa, lhe entregou a foto para que a olhasse com mais atenção.
- Sim! Esta é minha mãezinha querida que não vejo desde os sete anos. Me perdi dela no shopping. Passei a tarde inteira procurando-a, mas não a encontrei e isso já faz três anos. Fui com ela fazer compras de natal e quando estava olhando um brinquedo ela desapareceu e nunca mais a encontrei. Tenho esperanças de encontrá-la um dia.
- E você tem pai?
- Tenho, mas não vivíamos juntos. Mamãe disse que ele se foi porque bebia muito. E quando ela pediu que ele parasse com a bebida, achou melhor ir embora. Então mamãe teve que criar sozinha os três filhos. Eu e dois irmãos mais velhos que eu.
- São três homens?
- Não! A Aninha é a mais velha e o André o do meio.
- Nossa! Sua mãe e seus irmãos devem estar sofrendo muito com saudades de você. Devem estar pensando que você morreu.
- Ai credo! Morrer não! Nem penso nisso.
- Mas é mesmo! Três anos desaparecido, só podem estar pensando isso de você.
- Queria tanto encontrar minha mãe. Tenho tanta saudade dela. Às vezes choro a noite inteira olhando a foto dela. Esta foto eu peguei na bolsa dela antes de sairmos naquele dia sem que ela percebesse. Está meio amassada porque eu a dobrei e guardei no bolso.
- Você fala bem! Até parece que sabe ler e escrever.
- Aprendi lendo os jornais que as pessoas deixavam no banco da praça. Mas antes de me perder da minha mãe eu estudava. Já sabia ler e escrever. Minha mãe me colocou um ano antes na escola e eu já estava terminando a segunda série.
- Está explicado então! Você tem exercitado bem o que aprendeu. Fez muito bem, assim quando retornar à escola vai passar de ano rapidinho e sem problemas.
- Você vai me ajudar a encontrar minha mãe? Diga que vai, por favor?
- Calma Mateus! Vamos por partes. Tenho que saber mais sobre sua família, mas agora você precisa dormir. Já passa das duas da madrugada. Tem uma cama e um cobertor bem aconchegantes à sua espera. Pelo menos, por hoje, você tem um quarto e uma cama para dormir.
- Boa noite então, e obrigado por tudo.
- Não foi nada Mateus. São apenas suas preces que estão sendo ouvidas e atendidas.
Ao terminar de falar, Mateus entrou no quarto e logo se pôs de joelhos e fez suas orações em agradecimento:
- Meu Pai do céu, eu te agradeço por ontem, por hoje e pelo amanhã, e também pelo Gab que o Senhor mandou pra me ajudar a encontrar minha mãe. Amém.
Gab observou atentamente a oração de Mateus sem que ele o percebesse. Fechou a porta do quarto passando a mão na cabeça, deixando transparecer preocupação pelo garoto e disse em voz alta:
- Meu Deus! Como posso ajudar este garoto? Sei que ele está contando com minha ajuda, ou de qualquer outra pessoa.
O dia amanheceu, e Mateus, pela primeira vez, em três anos, dormira como um anjo e nem se preocupou em se levantar cedo.
O relógio cuco na parede da sala anunciou meio dia.
Mateus se espreguiçou como se colocasse os ossos em seus devidos lugares.
Apesar de a casa ser humilde tinha quase tudo que um garoto precisava.
Mateus se levantou e sentiu que estava só. Começou a examinar tudo ao seu redor e a falar sozinho.
- Nossa que casa legal! É quase igual a da mamãe. Ela bem que poderia estar aqui! E a Aninha então; nossa! Eu ia brigar com o Dedé por causa do controle remoto.
Enquanto falava, Mateus se via numa cena com seu irmão disputando o controle da TV.
A porta se abriu e Gab entrou trazendo alguns pacotes de presente e um panetone. Mateus gritou:
- Eu quero panetone! Eu amo panetone!
Dizendo isso pegou o pacote e foi logo abrindo.
- Calma Mateus! Exclamou Gab - Tudo bem pode. Afinal três anos sem comer panetone é compreensível.
Gab dava os últimos retoques em sua árvore de natal, enquanto Mateus tomava seu reforçado café da manhã que já passava das duas horas da tarde.
Na casa de Mateus não havia preparativos para o natal. Desde o sumiço do caçula aquela casa estava mergulhada numa tristeza sem fim. Sua mãe observava da janela, as pessoas e os carros que transitavam de um lado para outro, na esperança de que algum carro daqueles ou alguma pessoa daquelas, trouxessem notícias do seu pequeno Mateus. Os outros filhos pareciam estar conformados, pois não mais sentiam a falta do irmão. Davam boas gargalhadas assistindo televisão. E nem se preocuparam quando a TV deu como notícia urgente, o sumiço de uma criança na porta de um Banco.
Aquela mulher ouvia a reportagem, olhando pela janela, fazendo voar seus pensamentos:
- Será que ele pensa que eu o abandonei? E que não o amo? Isso não é verdade! Deus sabe que meus filhos são o bem mais precioso que Ele me deu. Como eu gostaria de ganhar de presente a volta de Mateus! Como sofro com a ausência dele! Minha vida já não é mais a mesma desde que ele se foi.
Enquanto isso, em casa de Gab, Mateus terminava o seu café e foi ajudar Gab com a árvore de natal e, juntos, terminaram de enfeitá-la.
O dia terminou e a noite de natal chegou.
Tudo estava pronto e na mesa de Gab não faltava nada. Estava perfeita. Eram oito horas, anunciou o velho relógio cuco. Gab percebeu que existia algo de errado com sua árvore de natal. Algumas fagulhas começaram na fiação ao lado do interruptor. Gab correu para desligar, mas já era tarde. O fogo começou a tomar conta da árvore e eles só conseguiram salvar os presentes. O fogo se alastrou rapidamente, tomando conta de toda casa.
A sirene do corpo de bombeiro se ouvia neste momento. Gab e Mateus já estavam do lado de fora da casa.
Com uma mão Gab segurou forte a Mão de Mateus e, com a outra, um saco com os presentes.
A TV local apareceu pra fazer a cobertura do incêndio. A repórter entrevistou Gab e lhe perguntou:
- Estamos aqui falando ao vivo diretamente do local do incêndio que destruiu uma casa deixando duas pessoas sem abrigo exatamente na noite de natal. Vamos falar com o jovem pai e seu filho que agora estão desabrigados.
- E aí cidadão, você e seu filho, como estão se sentindo, agora que perderam tudo que tinham, exatamente na noite de natal?
- Não! Respondeu Gab! Mateus não é meu filho.
Enquanto falavam Aninha assistia a reportagem na TV. Vê Mateus e grita:
- Mãe veja isso!
- Ora Aninha, não tenho cabeça pra assistir TV, filha. Estou preocupada com seu irmão. Sabe Deus onde ele está?
- Pois eu sei! - Respondeu Aninha convicta do que estava falando, pois estava vendo. - Ele está bem aqui na minha frente.
- O que está dizendo? Nossa! É ele mesmo, vamos buscá-lo filha? Este lugar fica perto vamos?
Aninha e sua mãe passavam pelos curiosos e Mateus olhou em meio a toda aquela gente e viu alguém diferente que se aproximava. Seus olhos brilhavam, e ele não conseguiu segurar as lágrimas que insistiam em cair abundantemente.
- Mateus, Mateus meu filho! Deus ouviu minhas preces e você está vivo!
Mateus se soltou da mão de Gab e foi em direção à sua mãe e sua irmã. Os três se abraçaram em prantos.
André que passava por ali com alguns amigos, também se emocionou ao ver que seu irmão estava vivo e também o abraçou.
- Mamãe venha cá! Quero que conheça meu melhor amigo.
Quando Mateus olhou para onde estava Gab percebeu que ele já não se encontrava mais ali e que, no local, só ficou o saco de presentes e um bilhete onde estava escrito:
- Meu amiguinho Mateus, neste momento você deve estar com a sua família e espero que esteja muito feliz. Não se preocupe comigo, eu estou bem. Creio que cumpri minha missão. Tenho que ajudar outras pessoas que precisam de mim.
Assinado:
Seu melhor amigo Gab.
Neste momento, Mateus tirou do bolso seu relógio sem pulseira e viu que era exatamente meia noite. Era natal...

Um comentário:

Tina Poeta Oficial disse...

Obrigada pela vista querida!